Crónica do absurdo
Pode dizer-se que, nunca como hoje, a economia mundial e as políticas sociais foram tão afectadas por situações estranhas, absurdas mesmo, que minam a credibilidade das instituições.
O famigerado “processo das tarifas” – aumenta, mantém, reduz, aumenta – com negociações bizarras, como aquela que aconteceu junto a um campo de golfe escocês, ilustra bem o comportamento de alguns participantes.
Mas os absurdos destes dias atingem dimensões inacreditáveis, como são as propostas de atribuir o Prémio Nobel da Paz a fguras políticas cuja conduta é, no mínimo, contraditória com os ideais do galardão. De facto, como entender que alguém acusado – ou pelo menos considerado conivente – com ataques a instituições democráticas do seu próprio país, e ligado a tragédias humanitárias no plano internacional, possa ser sugerido (inclusive por chefes de Estado) como símbolo da paz? É o triunfo da inversão: a violência transformada em diálogo, o populismo erigido em sabedoria, a manipulação elevada a virtude.
Claro que este não é um caso isolado. O absurdo é global – e não poupa Portugal. Com efeito, assiste-se a grandes debates sobre transparência política, enquanto se multiplicam alegados casos de governantes e de outros políticos de diferentes quadrantes envolvidos em confitos de interesses ou favores obscuros.
Clama-se por justiça social, mas continuamos com milhares de pessoas sem acesso à saúde, à habitação ou a um salário digno.
Voltando ao planto internacional, multiplicam-se as guerras (não apenas na Ucrânia e no Médio Oriente, como se sabe) e crises humanitárias. E, no entanto, o comércio de armas cresce a ritmo acelerado, não raro patrocinado por nações que discursam em nome da paz.
Estes absurdos são mais do que contradições; são sintomas de um tempo em que a retórica substitui a realidade; em que se trocam valores por conveniências, princípios por “estratégias”, ética por “oportunidade”.
Enfim, torna-se urgente resgatar o óbvio: a paz não se constrói com violência, a democracia não se fortalece com ataques às instituições, a justiça não se alcança com favorecimentos.
Sabemos que os absurdos continuarão a existir. Mas importa não os normalizar.
ARG